sábado, 9 de outubro de 2010

"Força de ideias..."

       "(...) nesse sistema, as ideias são apenas parcialmente autônomas. É verdade que a sociedade não pode existir sem ideias, mas essas ideias são eficazes precisamente na medida em que são sociais, na medida em que recordam aos indivíduos ao que são vinculados e ao que prestam sua lealdade. Durkheim chamou essas ideias de 'representações coletivas'. Essas representações podem ser concebidas como partículas carregadas que circulam entre os indivíduos e alojam-se por um tempo em suas mentes, mas são partículas que foram originadas nos rituais do grupo. Isso não quer dizer que a consciência humana não exista; mas são nesses momentos em que as pessoas focam suas consciências sobre o grupo(ou seja, nas situações de alta densidade social em que ocorre um ritual) que estas se tornam um poderoso instrumento que conduz a vida social de cada um. 
      As pessoas não precisam estar em permanente contato com os outros para que a sociedade exerça sua influência. As ideias cumprem esse papel nos intervalos entre os rituais, ou nas circunstâncias em que os contatos não costumam ser muito ritualísticos. Os símbolos são necessários para a sociedade, mas eles também surgem fora dela. É importante lembrar que não há nada misterioso nisso. As ideias são criadas e carregadas de significado social nas circunstâncias em que ocorrem os rituais, mas depois disso os indivíduos se dispersam e levam essas ideias consigo, trocam-nas com os outros indivíduos nas conversas e utilizam-nas para orientar seu próprio pensamento e para tomar suas próprias decisões e, num determinado momento, essas ideias voltam a figurar em um contexto no qual são carregadas com um novo significado social. 
   Podemos visualizar os indivíduos em um espaço físico e abastecendo-se de 'cargas' morais especiais, toda vez que tomam parte em uma reunião em que todos os indivíduos voltam suas atenções para os outros. A intensidade e frequência da participação das pessoas nesse tipo de situação exercem um efeito crucial na moldagem de cada indivíduo.
     O modelo de Durkheim nos apresenta um mundo com dois níveis. Nós pensamos a partir de nossas ideias sociais, e essas ideias formam o conteúdo de nossa consciência. Nós não percebemos o significado simbólico de nossas ideias porque as tomamos como dadas. Elas são como um parede de vidro através da qual enxergamos o universo, e sequer nos damos conta de sua existência até o momento em que ela se quebra em virtude de uma ruptura social. Mesmo quando isso acontece, nossa tendência costuma ser a de punir a pessoa que provocou a ruptura, em vez de dar atenção ao fato de que estamos circundados por uma parede de vidro. 
     Portanto, Durkheim concebe a sociedade como tendo um nível consciente e superficial, e uma estrutura inconsciente no âmbito da qual operam verdadeiras determinações. Concebemos a nós mesmos como racionais, como senhores de nossos destinos; na realidade, nossa própria racionalidade nos é dada pela estrutura social na qual habitamos, uma estrutura que nos forma de tal modo que nos leva a pensar de uma maneira e não de outra."  
“A tradição durkheimiana”. In: COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. (pp. 157-204)

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